
Giulia K. Rossi
Análise | Bela Vingança - O doce e amargo sabor da vendeta
De vez em quando, é preciso fazer justiça com as próprias mãos! Ou, pelo menos, é isso que defende o filme de Emerald Fennell (Killing Eve), Bela Vingança. Com uma narrativa ácida, a comédia sombria sabe misturar perfeitamente o suspense, humor e drama, em uma premissa vingativa que traz consigo uma mensagem poderosa.
Protagonizado pela talentosa Carey Mulligan, o filme acompanha Cassandra Thomas, uma ex-estudante de medicina que, aos olhos de todos (especialmente de seus pais) parece perdida. Porém, a mulher tem um objetivo claro: toda noite ela vai até os clubes mais movimentados da cidade e finge estar bêbada, até que um suposto “bom moço” se ofereça para “ajudá-la”. Se o homem tentar tirar proveito de sua situação, Cassandra o surpreende com a verdade.

É uma história relativamente simples, mas que é recheada de uma série de reflexões e apontamentos importantes sobre a sociedade em que vivemos. Hora mais sútil, e outras vezes nem tanto, Bela Vingança não reprime em nenhum momento o seu principal propósito: denunciar comportamentos machistas estruturados tanto na cabeça de homens quanto na de algumas mulheres, mesmo em 2021.
Tóxico, mas viciante!
Além da trama forte e envolvente, o filme conta com vários aspectos que caminham ao seu favor – atuações excelentes, figurinos e cenografia que chamam a atenção e, principalmente, uma trilha sonora impecável – que fortalecem ainda mais a narrativa. As músicas são tão bem inseridas que até mesmo Britney Spears e Paris Hilton facilmente conversam com a trama sombria (você nunca mais vai escutar Toxic da mesma forma!).
A história principal demora um pouco mais do que o necessário para se desenrolar verdadeiramente, porém, assim que isso acontece - com a chegada do ex-colega de Cassandra, Ryan (Bo Burnham) - a obra ganha vida! Em uma série de cenas psicologicamente assustadoras e atraentes, entendemos a genialidade da protagonista e o que ela está disposta a fazer para se vingar daqueles envolvidos em um trauma do passado.

Não é fácil agradar todo mundo (AVISO DE SPOILERS)
O único (grande) porém, é também a maior reviravolta do filme – o desfecho. As últimas cenas de Cassandra são, no mínimo, surpreendentes, enquanto ela é sufocada por Al Monroe (Chris Lowell), o mesmo abusador de sua melhor amiga, até dar o seu suspiro final. A morte da mulher é o que impulsiona os momentos finais da narrativa e a conclusão de sua vingança, deixando o espectador com um sabor tanto doce quanto amargo na boca.
A cena de sua morte é, com certeza, chocante, mas, ao mesmo tempo, não parece combinar com a astúcia e força da protagonista. Os últimos acontecimentos do filme, durante o casamento de Al, satisfazem o público e o consola de uma certa forma - principalmente por ter sido feito de uma maneira tão original e cativante – contudo, é difícil não ficar um pouco desapontado com o final de Cassandra. Ainda mais se tratando de um assunto tão delicado, todo cuidado é pouco – você irá amar, ou odiar (#timefinaisfelizes)

Porém, Bela Vingança não é o tipo de filme que alguém irá assistir para se sentir feliz. Muito pelo contrário. A produção desfruta de seu humor sombrio do começo ao fim, deixando os espectadores com certa angústia, mesmo dias depois de assisti-lo. Se esse era o objetivo de Emerald Fennell, então ela acertou em cheio!
Direto onde machuca!
Fazendo jus ao nome e ao tom crítico do filme, Bela Vingança fisga a atenção do público, sem deixar de lado alguns aspectos importantes. Sua narrativa é construída de modo que, embora os homens sejam os principais antagonistas da obra, o verdadeiro vilão aqui é a cultura que cultivamos em nossa sociedade.
Isso fica claramente visível ao se analisar personagens como Madison (Alison Brie) ou a Diretora Walker (Connie Britton). Elas escolhem fechar (ou por uma venda sobre) os olhos, em uma justificativa ultrapassada de que “garotos estão somente sendo garotos” e “ela devia ter se cuidado mais”. Além disso, a construção do elenco foi muito bem feita, contando com vários atores de aparência pouco ameaçadora - Adam Brody (The O.C.), Christopher Mintz-Plasse (Superbad), e Max Greenfield (New Girl) - Fennell se torna ainda mais bem sucedida em transmitir sua mensagem de que qualquer um pode ser afetado pelos valores sexistas que propagamos.

Uma produção capaz de levantar tais questões, ao mesmo tempo que brinca com romance, terror e comédia (especialmente nas cenas entre Cassandra e Ryan), já merece uma salva de palmas! Algumas coisas poderiam ser feitas de outra forma, mas, de maneira geral, o filme surpreende positivamente. Ele é original, inteligente, e com o toque certo de ironia - muito mais do que apenas um filme sobre vingança!
