@luigienricky
Análise | Manhãs de Setembro - Pare tudo que estiver fazendo e vá assistir agora!!!
Não existe nada que o cinema brasileiro saiba fazer melhor do que retratar fielmente a realidade do seu povo. Seja em dramas como Central do Brasil, Cidade de Deus, Carandiru ou mesmo as produções mais lúdicas como Bacurau ou Auto da Compadecida, a caracterização e características do nosso povo estão alí impressas nas grandes atuações (ou nas mais singelas), nos cenários, cidades, sotaques ou comidas. Manhãs de Setembro é uma obra que mostra perfeitamente tudo que faz uma obra nacional ser tão especial para nós, a grande diferença é que dessa vez a protagonista da história é uma mulher trans preta!

É sobre isso!
Cassandra é uma artista que precisa ralar duro como entregadora ao mesmo tempo que corre atrás do seu sonho de ganhar a vida com a sua arte. Você pode substituir "Cassandra" por qualquer artista pobre que tenta ganhar a vida com a sua arte no Brasil (inclusive este que vos fala) e você já terá um retrato recorrente de muitos paulistas e paulistanos por aí. Junte a isso o fato de Cassandra ser LGBTQIA+ e ter que ouvir diversas vezes por dia desaforos, desrespeitos e transfobia dos seus clientes a cada entrega que sai para fazer.
Um dia, Cassandra finalmente consegue um lugar para chamar de seu onde pode ter um pouco de privacidade, sossego e poder fazer um love com seu boy. O que ela não esperava era que no mesmo dia encontraria com Leide e seu filho biológico de uma noite que passaram juntas à 10 anos atrás durante uma bebedeira.

Realidade escancarada
Não é incomum produções nacionais que retratam a pobreza do brasileiro ou a vida nas favelas, entretanto, na maioria das vezes, a realidade destoa bastante da ficção, pois mesmo personagens vivendo em extrema pobreza, ainda existe a romantização dessa pobreza e a impressão de que quem escreveu aquela novela ou história nunca sentiu na pele o que é não ter nada. Isso não acontece em Manhãs de Setembro! Embora possamos sentir um pouco do que a protagonista sente no que se refere a falta de oportunidades, é na pele de Leide e Gersinho que sentimos o que é ser pobre e não ter onde morar ou o que comer, e isso me fez chorar muito!
Outra situação comum é a rejeição de um filho que não se tinha conhecimento da existência. Confesso que achei que julgaria muito Cassandra por não aceitar o seu filho, mas foi exatamente o contrário, eu conseguia compreender toda a complexidade da situação através do olhar da protagonista e embora me pegasse torcendo para que ambos se entendessem eu também não achava justo que Cassandra tivesse que parar sua vida para assumir uma responsabilidade que nunca quis.

Prazer, São Paulo!
A Cidade de São Paulo é uma das mais ricas do Brasil e talvez por isso estejamos acostumados a ver a cidade sob uma perspectiva mais elitista, mas Manhãs de Setembro mostra as ruas onde as pessoas reais vivem, os funcionários das madames, os vendedores ambulantes, as pessoas marginalizadas, etc... É a periferia onde todos se escondem, literalmente, de baixo de pontes, em barracos ou casebres com pouca ou nenhum estrutura. É um soco no estomago de quem vive reclamando que não tem nada e talvez possa ser um incentivo para que levantemos nossas bundas do sofá para ajudar aqueles que tem menos que nós. Ninguém precisa ser rico pra fazer isso, não é?
Além do núcleo principal, também pudemos conhecer os amigos de Cassandra, aquelas pessoas que estendem a mão e estão lá para ajudar seus semelhantes, como as amigas do clube onde ela canta ou seu casal de amigos gays velhinhos que são a coisa mais linda desse mundo. Também conhecemos a amiga de Gersinho cuja mãe trabalha nas ruas fazendo programa, e a naturalidade que ela lida com essa situação é de cortar o coração ao mesmo tempo que é até bonito de ser ver dada às circunstâncias.

Seja quem está destinada a ser!
Cassandra tem uma particularidade interessante, ela é super fã de Vanuza e conversa com a cantora na sua cabeça que funciona mais como uma manifestação da sua consciência do que a encarnação da cantora em si. E é essa consciência que guia Cassandra pela sua vida desde que sua mãe a abandonou, o que faz com que ela tenha ainda mais dificuldades em criar laços com o filho.
Se Cassandra vai um dia realizar seu sonho de ser uma reconhecida artista, só o tempo dirá, mas vocês precisam assistir essa série, falar dela em todas as redes sociais, dar bastante ibope para que a Dona Amazon renove logo para uma segunda temporada pois este é o tipo de história que queremos ver se contatada.

