@luigienricky
Análise | Pray Away - Ryan Murphy na corrida do Oscar?
Conhecido por seus trabalhos diferentões com temáticas assustadoras como American Horror Story, Scream Queens e Ratched ou pelo romântico, saudoso e problemático Glee, Ryan Murphy tem se mostrado um diretor super eclético, trazendo ao público musicais fantásticos e dramas apaixonantes como The Prom e Pose, por exemplo... Dessa vez, fugindo da fantasia, Murphy nos apresenta o documentário Pray Away que fala de forma direta dos traumas e consequências que pessoas que passaram por "tratamento de reversão sexual" sofrem até hoje!

Pra você entender!
Se você é uma pessoa esclarecida ou tem o mínimo de decência necessária para viver em sociedade, pode achar essa ideia absurda, mas existem grupos (de maioria religiosa) que acreditam que uma pessoa pode lutar contra os impulsos sexuais naturais e passar a sentir atração pelo sexo oposto, como manda a bíblia. Claro que esse processo imaginário é longo e doloroso e conta com vários membros "ex-gays" alienados pela promessa de pertencer ao reino dos céus. Eles fazem discursos amedrontadores para converter gays, lésbicas e trans ao lado "divino" da força.
As próprias pessoas do documentário, todos ex-líderes de grupos religiosos, contam como é o processo de amedrontar e usar termos e palavras que façam as pessoas terem medo de se comportar como naturalmente são, coincidentemente, é a mesma técnica usada por pastores que nós brasileiros tanto vemos por ai... Todos esses líderes partem do principio que todo LGBT sofreu algum tipo de abuso sexual quando criança e por isso têm esse comportamento, mesmo os que afirmam não ter sofrido nada, a desculpa usada por esses representantes é que, como mecanismo de defesa, essas pessoas excluíram o trauma de suas lembranças.
Particularmente, já ouvi essa justificativa de um ex-chefe que era membro de uma igreja e acreditava veementemente que eu tinha sido abusado sexualmente e por isso sou gay, mesmo eu afirmando que não. Imediatamente após ver essa cena, comecei a chorar ao trazer de volta uma memória que estava escondida no meu subconsciente.

O outro lado da moeda
A maior parte do documentário é focada nesses ex-líderes de um "ministério" chamado "Exodus", que foi o maior responsável por propagar pelo mundo todo a ideia de que LGBTs podem deixar de ser LGBTs se assim o quiserem e orarem muito. Após uma reunião de um grupo de ex-membros que se uniram para lutar contra o sistema e mostrar as terríveis consequências da Exodus, pouco a pouco os lideres vão abandonando o projeto até que ele acaba de vez, dando inicio a várias ramificações que usam a vibe de "somos muito mais legais" para atrair mais e mais jovens.
Através dessa nova ótica é que conhecemos a nova líder de um desses novos grupos, uma "ex-mulher trans" que passou a fazer o mal que seus antecessores abandonaram. Através da narrativa dela e dos antigos crentes dessa seita, podemos perceber que a grande maioria tem algo em comum, a exclusão por parte da própria família. Quando passamos a conhece-los mais a fundo, vemos o discurso em comum de todas essas pessoas: "Aqui tenho pessoas iguais a mim que me entendem". Ironicamente ou não, essas pessoas também poderiam encontrar esse tipo de abrigo e companheirismo na própria comunidade LGBTQIA+ (que infelizmente ainda é uma comunidade excludente com quem é fora dos padrões).

Não estou dizendo (jamais) que as pessoas que passam por este doloroso processo por vontade própria estão certas em vista dos vários casos de pessoas que são obrigadas a vivencia-lo, mas é um pensamento tão simplório que é fácil entender, ainda que seja revoltante.
O documentário ainda mostra as redes sociais dos dois grupos para que você possa conferir com seus próprios olhos... Seja o grupo dos ex-membros que tentam dar apoio emocional a todos os que saem ou os novos grupos que insistem que podem ter sua sexualidade revertida. Imagino que os produtores tiveram que ter estomago forte pra ouvir tanta abobrinha sem descer o sarrafo nessa gente!

Pray Away não é um documentário fácil de assistir, embora seja necessário. A parte triste é que dificilmente as pessoas que precisam ver darão alguma chance a essa obra que tem muita cara de Oscar!
